21 abril, 2006

- Papo Cabeça -

Encontraram-se na rua por acaso, há tempos não se viam, grande emoção:

- Ah não! – disse um.
- Não creio! – disse o outro.
- Graaande!
- Ooopa!
- E aê, mulambo?
- Sossegado! Tudo beleza?
- Na paz, meu chapa!
- Quanto tempo!
- Muito!
- Aiai, beleza cara!
- Então beleza!
- Beleza então!
- Pois é!
- Só!
- Podes crer!
- Tô atrasado!
- Firmeza!
- Até!
- Falou!
- Fui!
E não se veriam por muitos anos.

por Felipe.Z

20 fevereiro, 2006

- Grande Aventura -

Assim que sua mãe encostou levemente a porta do quarto, deixando-o dormir, Beto saltou da cama e foi a seu telescópio perto da janela. Ele havia ganhado de presente do pai que era astrônomo. Beto tinha só nove anos de idade e já era fascinado pelas estrelas – herdou do pai a paixão pelos mistérios do universo. Amava observar os astros e pensar sobre eles. Beto dizia que um dia ia sair do mundo para visitar outros. E ironicamente era o que mais fazia quando estava só com seus pensamentos e livros sobre o espaço sideral dados também pelo pai sempre todo orgulhoso. Enchia-se de satisfação pelo gosto do único filho, por isso dera ao menino um telescópio, sem razão aparente, nem aniversário era.
Pelas lentes do precioso instrumento, o menino sentiu a linda lua cheia penetrar fundo seus olhos. Tão nítida que podia contar todas as crateras. Esforçou-se para tentar enxergar seus pequenos habitantes, os trabalhadores da lua. Sim! Todos os mundos tinham sua gente! Se a ciência dizia o contrário, Beto tratava de decidir que tinham e ponto final. Assim era mais gostoso, mais divertido. Imaginava como eram, como andavam, se vestiam, o que comiam, como viviam. Criava mil histórias. Mais do que imaginar, queria mesmo era ver, estar lá entre eles, e voar em sua espaçonave. Era o que o alimentava. Sorria como a criança feliz que era enquanto tinha o olho no inestimável aparelho. Mas precisava dormir. Não queria que lhe tirassem seu maior tesouro por falta de obediência. Baixou as persianas e enfiou-se debaixo das cobertas. Acendeu um abajur que iluminava o teto com cometas e planetas. Virou-se para o canto e fechou os olhos, queria sonhar, ainda mais...
Então o garoto ouviu um leve zumbido e se ergueu depressa. Veio da janela uma forte luz que passava entre as persianas caídas. Beto, assustado, enfiou-se debaixo dos travesseiros deixando apenas os olhos de fora. Hábeis dedos magros e compridos apareceram na janela abrindo-a. Beto estranhamente não sentiu medo, mas estava admirado. Seriam eles!? Vieram buscá-lo!? Realizaria seu maior sonho!? Estes, há tempos observavam os humanos, através de seus sonhos. Eram como guardiões dos céus.
Um ser esbelto de mais de dois metros de altura logo entrou no quarto e ficou parado, de pé, diante do garoto. Não disse nada, apenas sorriu estendendo-lhe a mão. Beto, estendeu o braço lentamente na direção da criatura. Sorria, e seus olhos brilhavam mais que no dia em que ganhou seu telescópio. Logo, subiu a bordo de uma grande nave que flutuava bem ali do lado fora de sua janela. Em seu interior mil luzes piscando e painéis coloridos, um lindo espetáculo de encher os olhos. Muito complexo, ao mesmo tempo, muito simples. Beto observava tudo nos mínimos detalhes ao passar pelos corredores de mãos dadas com seu guia. O ser, sempre sorridente, colocou o menino numa cadeira alta perto de uma janelinha e sentou-se ao lado dele. À frente dos dois, muitos botões e controles. A nave partiu. Beto viu sua casa ficar cada vez menor, então seu bairro, então sua cidade, então o mar também diminuiu. Viu tudo ficar pequeno, então o mundo era como uma “bola de futebol”, pendurada na vastidão coberta por estrelas.
Um flash de luz se fez numa outra janela, e lá, surgiu uma outra orbe suspensa por nenhum gancho, só que essa era levemente dourada e não azul. Mergulhando na esfera, tudo foi ficando cada vez maior. Beto saltou da cadeira e seu guia fez-lhe um sinal para que viesse com ele.
Ao deixar a nave, Beto pisou numa terra macia e branda. Ao longe, as montanhas brilhavam como diamantes. No céu lilás, havia nuvens como algodão doce. Os rios e os mares, fluíam ouro. As florestas coloridas tinham o mais inebriante perfume. Alguns animais tinham seis olhos. Alguns gigantescos, já outros cabiam na palma da mão. Os campos e as planícies, eram de prata. As frutas, dos tipos e sabores mais exóticos. Beto correu em todas as direções. Não sabia para onde ir, queria ver tudo, sentir tudo. Estava maravilhado, não queria sair de lá. Era tudo com o qual sempre sonhou, sempre quis. Visitou os lugares mais maravilhosos. Conheceu toda a gente daquele lugar que também ficara muito empolgada, curiosa e maravilhada com ele. Ele contara o máximo que pôde sobre seu mundo deixando-os todos animados e perplexos. Beto descobriu que aquele povo se denominava Narks.
Beto passou um dia inteiro naquele fantástico mundo, quando então, veio a hora de partir. Com uma lágrima escorrida no rosto, o menino olhou pela última vez aquele mundo o qual queria pertencer para todo o sempre mas não podia.
Quando imaginou ser o fim, eis que uma nave estelar imensamente grande surgiu cobrindo quase todo o planeta fazendo sumir até o sol. Era do tamanho de um estádio, com arranha-céus despontando por toda superfície. Essa verdadeira fortaleza chegou bombardeando os pobres Narks que desesperadamente procuraram abrigo. O guia de Beto apressou-se em levar o menino para casa antes que sofresse o destino de sua gente e dele próprio.
Aqueles invasores eram os Hawts, raça de um povo bárbaro que de tempos em tempos surgia para caçar Narks, como num safári. Eles espalhavam terror por se julgarem superiores em inteligência e poder tecnológico. Os Narks por outro lado eram pacíficos e amistosos e não possuíam grandes defesas contra o terror do inimigo. Beto, então, estava decidido em resolver o problema dos Narks e pediu à eles que enfrentasse seus medos e colocassem um fim naquela situação. Disse à eles que eles tinham o poder de lutar a favor de seus sonhos e sua liberdade, bastava ter vontade, determinação e força. Os Narks sentiram verdade e motivação nas palavras do menino e foram à luta. Com os recursos disponíveis, uma grande batalha foi travada. Beto, insistiu muito em ajudar seus novos amigos embora aquela não era sua guerra. Mas confiante em suas habilidades, – tinha assistido muito aos filmes de ficção – ele ganhou uma nave para poder lutar.
Dezenas de Narks subiram em suas naves com formato de discos e voaram contra a potência inimiga. Milhares de disparos de luz voaram para todos lados. Uma luta que tomara proporções épicas. Beto liderou os esquadrões Narks para atingir os principais pontos fracos da nave inimiga. Ele reconhecera tudo. Era exatamente como nos livros e filmes que vira. Por fim a grande fortaleza sucumbiu caindo nas planícies prateadas. Os Narks atribuíram sua vitória a Beto, pois sem ele tamanho feito jamais seria alcançado. Na volta uma grande cerimônia aconteceu para comemorar a vitória e a liberdade. O garoto foi tratado como príncipe pelos Narks e e ganhou um anel, símbolo da amizade eterna. Após as festividades e despedidas, Beto seguiu com seu amigo e guia abordo da nave que o trouxera. Sentou-se no cadeirão e o veículo partiu num estrondo...
Beto levantou da cama assustado e olhou para a janela. Um silêncio. Pulou da cama correndo e ergueu as persianas revelando lá fora a grande lua que repousava imóvel. Seus olhos percorreram ansiosamente por tudo, procurando por alguma coisa, mas, nada havia. Sentiu uma enorme decepção. Uma tristeza gélida e vazia, uma angustia presa no peito. Pôs-se a chorar. Os pais de Beto ouviram e vieram correndo para saber o que havia acontecido. A mãe tentou acalmá-lo e o abraçou pois para ela, óbvio, fora apenas um pesadelo que o filho tivera. Mas Beto sabia que não era um sonho, estava convicto que não. Tentou explicar o que acontecera balbuciando as palavras em soluços. Pai e mãe então tentaram fazer com que Beto compreendesse que às vezes, quando amamos alguma coisa, e queremos, desejamos muito esta coisa, os sonhos em nosso sono parecem reais, como se estivéssemos acordados. Beto chorava, pois não conseguia fazê-los acreditar. O pai abraçou-o e colocou-o na cama, já mais tranqüilo. Puxou as cobertas e arrumou os travesseiros. A mãe encostou levemente a porta do quarto. Beto virou para o canto, colocou suas mãos embaixo do rosto e fechou os olhos a descansar, sem dar conta do reluzente objeto redondo que tinha no dedo.
por Felipe.Z

16 janeiro, 2006

- Trivial -

Bárbara saiu com seu carro esporte – que tinha ganhado de aniversário – logo depois do almoço. Era sábado. Dia de passar a tarde inteira fazendo o que mais gostava: compras! Para ela não havia distração melhor. Ainda mais quando precisava se acalmar. Indispensável! Era mais saudável do que comer chocolate – que engordava –, ou encher a cara num bar qualquer – que dava olheiras –, ela dizia.
Patricinha que só ela, Bárbara provavelmente compraria mais algumas dezenas de pares de sapatos para sua coleção, entre outras coisas supérfluas que costumava adquirir também. Ao contrário da maioria das meninas da mesma estirpe, ela preferia fazer suas compras sozinha e não em bandos como a lei exigia. Só para mais tarde ter o bel prazer de mostrar à suas amigas – sempre sedentas pelos exclusivos e últimos lançamentos da caríssima marca ‘SUIS-FUTILE’ – e provocar-lhes as maiores invejas.
Passando pelas vitrines do shopping com seu cartão de crédito – do pai – numa mão, e algumas sacolas no outro braço, ela ouviu uma voz chamar por ela. Era Tavinho, o ex-namorado. Mauricinho que só ele, sabia que a encontraria perambulando pelo shopping favorito dela naquele horário. Péssima hora encontrá-lo! Bárbara virou para ele, torceu o nariz, e nem lhe deu maiores atenções, como se nem o conhecesse ou tivesse ouvido direito lhe chamarem. Continuou seu caminho jogando para trás os louros e belos cabelos lisos de chapinha. Era a cara da boneca Barbie.
- Quanta indiferença! – ele falou de bom humor. – Pisa mesmo naquilo que tu já quis!
- Para seu governo, meu bem, se te quis foi na falta de algo melhor. – ela retrucou.
Bárbara sabia espezinhar como ninguém com suas respostas ásperas quando não estava de bom humor. Tavinho se aproximou e conseguiu cochichar pertinho do ouvido dela.
- Ah é? Não era bem isso que você dizia. Você sempre pedia mais. Ou implorava é a palavra mais correta? – ele a provocou com um sorrisinho malicioso.
- Mais respeito comigo, seu grosso! Te odeio! Não fala mais comigo!
Tavinho riu. Já estava acostumado. Divertia-se cada vez que ela o repelia. Os dois tinham uma história juntos, já tinham namorado bastante tempo antes. Tá certo que quem reparasse superficialmente nos dois, via um casal de filhinhos de papai. Ele de topetinho e moletom jogado sobre os ombros. Assim como quem via em Bárbara a beleza e elegância de uma top model e só. Havia quem os julgava mal por terem dinheiro. Mas eles eram apenas vítima de uma sociedade de cultura atrasada que em prol do materialismo explorava a beleza e a alienação do consumo. E havia também quem via nos dois mais o que aparentavam ser. E de fato eram sim mais do que apenas viagens, roupas de grife e produtos importados. Mas isso lá no fundo, bem no fundo do fundo.
- Claro que você me odeia. Vamos sair esta noite? – Tavinho disse sarcasticamente.
- Vê se me esquece!
- Isso é um sim?
- Se enxerga, meu filho! Já te esqueci faz tempo!
- Eu duvido. Eu sei que te deixo louca!
- Não me provoca! – disse raivosa
- Senão o que?
- Eu chamo meu namorado!
Tavinho parou no meio do caminho, sem reação. Quem deu um sorrisinho malicioso agora foi ela. Gostou de ver que Tavinho não teve nenhuma piadinha, o tinha desarmado completamente. Uma bomba surpresa. Ele não imaginava que ela já pudesse estar namorando outro cara assim tão depressa. Afinal não fazia tanto tempo que estavam separados. Logo chegou o brutamontes. Bárbara apresentou-lhe seu novo namorado: Golias. Um armário! Um gigante! Três por quatro de altura! Tavinho ficou na dúvida se era Godzilla ou King Kong. Por uma fração de segundos, pôde imaginá-lo segurando Bárbara com apenas uma mão e gritando feito doido no topo de um edifício e as pessoas correndo apavoradas do monstro. Olhou-o para cima para encará-lo nos olhos, mas não conseguia enxergar acima das nuvens, embora tenha conseguido reparar bem no homenzarrão de qualquer modo.
- Quem é esse, benzinho? – disse Godzilla, oops... quer dizer, Golias.
- Benzinho? – pensou Tavinho durante alguns segundos para si. – Xii, acho que esse leão só tem cara de quem assusta!
- Ah, é só um colega, antigo. – ela fez pouco caso.
Golias estendeu a pata, oops... quer dizer, a mão para cumprimentar Tavinho, mas este, apenas acenou, de longe. Não queria facilitar ser estraçalhado logo de cara num aperto de mãos.
- Estou com fome, meu docinho, vamos comer algo?
- Meu docinho? – surtou Tavinho de novo. – Xii, vamos ver quantos outros apelidos de alto teor de sacarose o gorilão ainda tinha para proferir.
- Ai, tem aquele restaurante que você adora, meu pão! Vamos nele?
- Meu pão? Ah não!
Tavinho conteve-se ao máximo com seus pensamentos. Era como se contorcesse-se todo para evitar deixar sair algum comentário que lhe rendesse um passeio ao hospital. Não bastava toda aquela rasgação de seda barata, ainda por cima era com adjetivos obsoletos que doíam profundamente. Bárbara então se despediu de Tavinho sem a mínima vontade de olhar na cara dele. Tavinho assistindo a partida deles gritou:
- Ei grandão!
- Tu tá falando comigo, rapá? – Golias se virou com uma expressão de quem ia matar.
Tavinho não se deixou intimidar. Cara feia para ele era fome, mas muitas vezes caso de cirurgia plástica.
- Não pensa que me engana não. Eu sei qual é a tua.
- Sabe o que, rapá? – engrossou ainda mais a voz de trovão.
- Da verdade!
- A verdade? – Golias disse num tom mais manso tirando seu Raiban da cara.
Ser um bom observador teve lá suas vantagens. Tavinho sempre teve olho clínico para as coisas. Reparou nas mãos cuidadas, bem feitas e suaves do grandão quando este fora lhe cumprimentar. Tinha até base pois as unhas brilhavam. Não parecia ter aquela mão pesada de trabalhador. E realmente não podia ser trabalhador braçal daqueles que fazem esforço de baixo de sol, pois a pele do negrão era mais suave e polida do que bumbum de bebê. Nem um fio de barba também. Tavinho também não pôde deixar de reparar na calça jeans apertada curtíssima que o gigante usava. Sem aprofundar em detalhes da retaguarda onde o tecido, bem, entrava. O chinelinho de enfiar no dedo era cor salmão. O brinquinho na orelha direita então foi a gota d’água. Quem é que Golias queria enganar? Aliás, quem é que Bárbara queria enganar? Os três ficaram se encarando por muito tempo, como pistoleiros num duelo de faroeste para ver quem atiraria primeiro.
- Ai, Babi, eu falei pra você que o bofe ia descobrir! Eu não levo o maior jeito pra isso, amiga! Me perdoa! – disse Golias “toda” mole e “decepcionada" pela descoberta da farsa.
Bárbara estava perplexa, estática como um manequim de loja, e Tavinho com um ar triunfante. Até que ela disse:
- Me desculpa, amiga! Fui eu quem colocou você nessa roubada! Onde eu estava com a cabeça? Me perdoa, Mad?
- Mad? – perguntou Tavinho.
- Desculpa fofo, pode me chamar de Mad! Sabe, de Madalena! Prazer! – disse “a” brutamontes toda toda. Provavelmente aquele era seu nome de guerra, mas “ela” não entrou em detalhes, deixando-as para a imaginação.
Acabada toda aquela farsa absurda e completamente despropositada, Mad, oops... quer dizer, Madalena... hmm... bom, enfim... deixou Bárbara e Tavinho conversarem. Por fim Tavinho ouvira dela que apenas forjou um namoro para dar o troco nele. Estava com raiva, já que ouvira boatos que ele tinha saído com outra menina. O círculo – das fofocas – de Bárbara era poderoso, das melhores espiãs da vida alheia. Gente que não tinha mesmo o que fazer ou com que se preocupar de verdade. Tavinho fora visto com outra numa festa de gala semana passada, mas Tavinho disse que a morena alta e elegante com cara de “piranha” – assim como ela fora descrita por Bárbara – era na verdade a irmã dele que o acompanhava. Bárbara ficou com a cara no chão, e Tavinho claro que a perdoou. A vida era realmente ótima! Os dois fizeram as pazes na hora e foram viver felizes para sempre numa mansão no litoral, assim como sempre acontece, com todos nós.
por Felipe.Z

02 janeiro, 2006

- Eles -

Desceu a escada rolante de cabeça baixa. O olhar melancólico, sempre no chão. Dezenas de pessoas ao seu redor e era como se estivesse sozinho, distraído com seus pensamentos. De fato sentia-se só. Podia até ser roubado ligeiramente por qualquer um que nem perceberia. Todos os demais estavam em outro pique, em outro tempo, alienados, com a pressa urgente de estar em algum lugar. Típico de uma metrópole. Uma selva. As portas do vagão se abriram lateralmente e ele sentou-se num banco desocupado. Por pouco não fora pisoteado pela multidão logo atrás que surgira de muitos cantos.
Sentou-se lentamente e com um olhar vazio observou toda aquela gente. Tantos rostos que jamais vira e jamais voltaria a ver. Assim que o trem deixou o túnel, olhou para fora, para os prédios, para as casas e ruas que passavam rapidamente. Nas estações seguintes a multidão foi aos poucos dissipando. O ar encontrou mais espaço e ficou mais respirável. Lá de trás, do fundo do vagão, seus olhos apontaram para uma moça sentada muitos metros adiante. Ela tinha ao seu lado uma bolsa e segurava um livro que seguia lendo na viagem. Ele, estático, absolutamente encantado. Estranhamente seu coração pareceu acelerar.
Jamais vira tamanha beleza e doçura em uma mulher antes: os cabelos longos castanhos cacheados formavam nela a mais perfeita silhueta. A boca suavemente desenhada e avermelhada tinha um brilho e contorno delicioso. A pele branca e macia tinha a mais agradável fragrância. Atrás dos óculos de uma fina armação, os olhos esverdeados mais estonteantes percorriam atentamente as palavras do papel.
Ele não conseguia desviar sua atenção para qualquer outro lugar. Estava hipnotizado. Preso como um ímã. Não queria deixar de admirá-la e admitiu para si a loucura que era pensar todas aquelas coisas a respeito de uma estranha que até alguns segundos atrás não fazia idéia que estava no mundo. Mas ao mesmo tempo agradeceu a deus por saber que ela estava ali no mundo também. Não era uma miragem. Era bem real. E quem ela era, não parecia ter a menor importância para ele. O que importava é que estava ali, diante dele. Pensou em levantar e ir até a garota. Mas não saberia o que fazer, como agir. Nem poderia imaginar o que ela ia pensar. Um estranho puxando papo assim do nada, ela com certeza estranharia. Tinha que pensar em algo e depressa. A qualquer momento ela poderia ir embora e jamais a veria novamente em toda sua vida. Uma estranha sensação o tomou. Estava interiormente inquieto. Estava surpreso consigo mesmo, e não entendia nada do que estava acontecendo naquele momento. Muitas indagações, e aparentemente não havia por que. Se fosse contar a alguém mais tarde sobre isso, provavelmente não entenderiam também e tomariam a história por piada.
Anunciada a próxima estação, ela guardou o livro na bolsa e levantou-se em direção a porta mais próxima. Ele não queria que ela partisse, não agora. Gostaria ao menos de saber seu nome. Então as portas se abriram e ele pôde vê-la por inteira. Sua figura o fascinara intensamente e ele suspirou. Ele não sabia o que era tudo aquilo que sentia e assim que ela pisou fora do vagão, uma força desconhecida deu-lhe coragem para erguer-se em direção a porta mais próxima, acompanhando os movimentos dela. Dezenas de pessoas entrando e saindo do trem e ele fixado naquela bela jovem. Ela topou com um apressado qualquer que derrubou seu livro e sua bolsa e o indivíduo nem virou para trás. Vendo aquilo, ele, foi correndo ajudá-la. Abaixara-se para apanhar suas coisas. Ficara impressionado como era ainda mais linda de perto. Se ele imaginara o perfume dela ser o mais inebriante, pôde então naquele momento comprovar indescritível fragrância. A boca teve o contorno mais delicado quando para ele sorriu agradecendo a gentileza. Ele, intimidado por ela, retribuiu com um sorriso acanhado. Ela ficara olhando para ele também. Sem saber o que falar para ela, sentiu seu rosto enrubescer. As únicas palavras que ele conseguira dizer foram as que ele mais temia em um primeiro contato.
Surpreendentemente quem ruborizou desta vez fora ela ao ouvir o mais lindo elogio a sua beleza, o que a tornou ainda mais encantadora. Os dois então sem que percebessem foram caminhando, juntos, para longe do metrô que partia. Ele, sentira-se no céu. A ela, agradava a companhia de rapaz tão gentil, tão educado. Logo a ansiedade dele passara e a conversa fora fluindo de tal maneira que passados apenas alguns minutos, conversavam como se há tempos se conheciam. Foram parar numa lanchonete ali mesmo dentro do terminal para tomar um cafezinho. Por conta dele é claro, ele faria questão. Na mesinha foram se conhecendo. O sorriso dele era infinito enquanto a tinha diante de si contando sobre ela mesma, dona de uma voz delicada, suave e ponderada. Ela também se interessara por ele enquanto ele contava sua história. Ele tinha uma ótima conversa. Passaram várias horas e eles ali estavam, no auge de um papo animado que pelos dois podia continuar para sempre. Mas nem tudo era perfeito, ela tinha que partir. Ele não gostara da idéia mas compreendera. Era realmente uma pena. Ela não morava longe dali e ele fizera questão de acompanhá-la. Claro, pois queria ter a companhia da moça o máximo que pudesse, e a ela também muito agradou a idéia de tê-lo junto. A noite começava a cair e podia ser perigoso ir sozinha. Foram caminhando e conversando sem pressa.
Diante da casa dela eles pararam, e ele ficara sem jeito de pedir-lhe o telefone. Sim, porque não queria perder o contato com ela bem ali, depois de uma tarde inteira juntos. Ele se divertira muito. Era um bom rapaz, mas a vida não estava sendo tão gentil com ele e aquela tarde fora a melhor coisa que havia acontecido nos últimos tempos. Ela também gostara imensamente de tê-lo conhecido e entregou-lhe um cartão. Ela percebera a timidez do rapaz e resolvera poupá-lo de qualquer embaraço. Ele sorriu alegre e guardou o cartão agradecido. Então parecia que aquele conto de fadas terminava ali. Ou pelo menos, naquele dia. A história poderia estar apenas começando. Os dois ficaram se olhando nos olhos, sem saber como se despedir um do outro. Até que ele estendeu-lhe a mão. Achou que um beijo, mesmo que no rosto, ainda era inapropriado. Teve a mão dela entre as dele por muito tempo e internamente não queria soltá-la. Era leve e macia. Mas ele prometera ligar. Com toda certeza ligaria. Queria tantas outras oportunidades em estar ao lado dela quanto pudesse. Ela lhe fazia sentir muito bem, feliz. Então cada um virou-se. Ela seguira até a casa e ele voltava pela rua, com as mãos no bolso da jaqueta. Já alguns passos dados e ele virou para olhá-la. Ela gritara para ele e vira correndo, parando diante dele, ofegante, parecia querer dizer-lhe alguma coisa. Talvez seu nome. Ele acabara de perceber que apesar de todo o tempo que passaram juntos, tantas histórias e risos, esqueceram de apresentar-se formalmente. Então ela aproximou-se de seu rosto lentamente e encostou de leve seus lábios no dele, agradecendo baixinho pela tarde em seu ouvido. Sem esperar uma resposta ela voltou-se e seguiu seu destino. Ele, estático, levou os dedos aos lábios, incrédulo, e convencidamente apaixonado, esboçando o sorriso mais feliz do mundo...
Anunciada a próxima estação, ela guardou o livro na bolsa e levantou-se em direção a porta mais próxima. Ele, com os dedos nos lábios, pôde vê-la por inteira. Não se levantou do banco que estava sentado, lá no fundo do vagão, mas não pôde deixar de acompanhar-lhe os movimentos apenas pelo olhar. As portas se fecharam lateralmente. Pela janela, ele ainda pôde vê-la topar com um apressado qualquer e derrubar-lhe os pertences no chão. O trem andou. Ela, lá fora, recompôs-se. Ele, lá dentro, apenas assistindo, melancólico. Ela então seguiu seu caminho pela estação de metrô, e ele jamais a veria novamente em toda sua vida.
por Felipe.Z