15 maio, 2008

- Jovem -

Mais um domingão. Aquele frio chato e garoa fina. Um daqueles dias em que não se tinha absolutamente nada para fazer. Nada! Um marasmo, uma moleza que só vendo. Os pais não estavam em casa. Foram visitar alguém cujo bebê acabara de nascer. Resolveu ficar em casa porque estava sem saco para visitas familiares. Sabe como é, né? Aquela chatice! Mesma ladainha de sempre!
Foi até o violão e colocou-o no colo, quem sabe uma musiquinha das antigas não dá uma animada? Há quem diz que boas energias emanam dos acordes. Mas não era bem isso que queria, e o violão logo ficou de lado. Bom, então quem sabe o rádio não tem um daqueles programas de comédia super engraçados? Nada como uma programação de entretenimento de conteúdo puramente inútil para alegrar! Sintonizou as estações... ah, mas, também não era exatamente isso. Nossa, nada está bom! Ô tédio! Que tal a TV? Potz, mas é domingo! Se sua vida já não presta e você precisa de um motivo para se suicidar, nada como um programa televisivo dominical para te dar um empurrão, certo? Então foi até a janela do apartamento alto. Não para pular, mas para ver a cidade, toda envolta numa espessa neblina. O dia terminava. De repente... blecaute! Ah não! Só faltava essa! Um apagão! Já não bastava tudo de ruim!
O telefone tocou. Ótimo! Quem sabe não é alguém da galera para finalmente salvar o que resta do meu dia? Tomara que em outros lugares haja energia. O que? Como é? Cortaram a luz do bairro para uma manutenção geral e só estão avisando que não tem previsão de retorno? Mas como assim...? Que raiva! Porque nessas horas o telefone também não deixa de funcionar já que é para se ter um sossego completo? Tem gente que adora avisar que vai atrasar a vida alheia! Sádicos malditos! O fato era que com luz ou sem, a preguiça imperava numa batalha que há tempos estava perdida. Tanto faz. Olhou em volta. Escuro total. Um escuro amargo. Sentou-se na cama. Pois é, o lance era se conformar que o resto da noite ia ser daquele jeito mesmo, deitado no escuro, ouvindo logo logo, os trovões que aquela paisagem de fora tanto fazia cartaz. Nem alcançar uma vela para iluminar o ambiente sentiu vontade. Que moleza... que tristeza... que desânimo... que solidão e escuridão... que sensação péssima.
Se há uma coisa que o ser humano não pode suportar é essa situação hostil natural de momentos solitários. De onde vem essas coisas? Jamais entenderia. E nem podia culpar ninguém. Tudo neste instante podia ter sido bem diferente. Porque fui recusar de sair? Por causa do friozinho? Ah preguiça do inferno, chega sempre sorrateira! Bom, quem sabe você da próxima vez não aprende? Agora bem feito! Trouxa! Mas, encontrar aquela parentada toda, aquelas tias gordas velhas e chatas que apertam sua bochecha e não param de elogiar o quanto você cresceu, em pleno hoje, não é bem o que eu desejava. Claro! Você só as vê uma vez por ano no Natal, o que mais poderia querer? Agradecer muito a Deus, e que fosse sempre assim! Cruz credo! Você é um chato de galocha, sabia? Galocha? É, se fosse pra ir lá fora, precisaria mesmo de um par se a chuva que está em cartaz pra estrear a qualquer momento desabasse! Eita boca santa! Culpa sua esse toró que começa a cair! Fala sério! E seu ligasse pruma galera? Será que estão fazendo algo ou na mesma que eu? E o telefone tocou mais uma vez. Ah, os santos estão assistindo a esta situação e decidiram dar uma mãozinha que seja a meu favor! Abençoados sejam! O quê? Como é? Se eu quero fazer um curso de memorização? Vinte por cento de desconto na matrícula? Vai te catar! Nada pior do que esses malditos telemarqueteiros que só perturbam! Infelizes que trabalham até de domingo – que estranho! Devia ser proibido! A raiva era tanta que arrancou o telefone da tomada. Paz finalmente! Jogado na cama, parecia um moribundo: os olhos abertos para o teto negro, respiração lenta, não movia um músculo, quase defunto.
Num quero fazer nada! Absolutamente nada!
Apenas pensou ao invés de proferir para si mesmo ouvir. Pensou no mínimo em ascender uma luzinha, e aquela o tranqüilizara. Mas ficara na mesma posição, como morto. Ao redor, abutres sobrevoavam o corpo, a carcaça. Estava num gélido deserto. Cães raivosos e sedentos por carne jovem vieram em bandos e o estraçalhavam. O quarto começou a revirar, balançando de um lado para o outro como um barco viking de parque de diversões. Então a correr como uma montanha russa, cheia de subidas e descidas rápidas, voltas e giros de fazer qualquer um vomitar. As paredes e tetos se afastaram de repente, e monstruosos cogumelos despontavam. Pisou neles como se caminhasse por telhados e saltou para muito longe, onde flores gigantescas amorteceram a queda. Deslizou em pé por um arco-íris até o gramado. Que ânsia! Mas não queria parar. Amarrou-se a um cipó elástico e saltou! O melhor bungee-jump de sua vida! Então pegou duas enormes penas coloridas e planou para ver o mundo do alto! Sentir-se livre como um pássaro! Ver mil tons lá do céu! Podendo abraçar todo o mundo!
- Opa! Acho melhor parar! Descer os pés no chão!
Ouviu portas se abrindo. Eram os pais chegando.
- Deixe-me apagar esse toquinho e fazer que está tudo bem.
por Felipe.Z