20 fevereiro, 2006

- Grande Aventura -

Assim que sua mãe encostou levemente a porta do quarto, deixando-o dormir, Beto saltou da cama e foi a seu telescópio perto da janela. Ele havia ganhado de presente do pai que era astrônomo. Beto tinha só nove anos de idade e já era fascinado pelas estrelas – herdou do pai a paixão pelos mistérios do universo. Amava observar os astros e pensar sobre eles. Beto dizia que um dia ia sair do mundo para visitar outros. E ironicamente era o que mais fazia quando estava só com seus pensamentos e livros sobre o espaço sideral dados também pelo pai sempre todo orgulhoso. Enchia-se de satisfação pelo gosto do único filho, por isso dera ao menino um telescópio, sem razão aparente, nem aniversário era.
Pelas lentes do precioso instrumento, o menino sentiu a linda lua cheia penetrar fundo seus olhos. Tão nítida que podia contar todas as crateras. Esforçou-se para tentar enxergar seus pequenos habitantes, os trabalhadores da lua. Sim! Todos os mundos tinham sua gente! Se a ciência dizia o contrário, Beto tratava de decidir que tinham e ponto final. Assim era mais gostoso, mais divertido. Imaginava como eram, como andavam, se vestiam, o que comiam, como viviam. Criava mil histórias. Mais do que imaginar, queria mesmo era ver, estar lá entre eles, e voar em sua espaçonave. Era o que o alimentava. Sorria como a criança feliz que era enquanto tinha o olho no inestimável aparelho. Mas precisava dormir. Não queria que lhe tirassem seu maior tesouro por falta de obediência. Baixou as persianas e enfiou-se debaixo das cobertas. Acendeu um abajur que iluminava o teto com cometas e planetas. Virou-se para o canto e fechou os olhos, queria sonhar, ainda mais...
Então o garoto ouviu um leve zumbido e se ergueu depressa. Veio da janela uma forte luz que passava entre as persianas caídas. Beto, assustado, enfiou-se debaixo dos travesseiros deixando apenas os olhos de fora. Hábeis dedos magros e compridos apareceram na janela abrindo-a. Beto estranhamente não sentiu medo, mas estava admirado. Seriam eles!? Vieram buscá-lo!? Realizaria seu maior sonho!? Estes, há tempos observavam os humanos, através de seus sonhos. Eram como guardiões dos céus.
Um ser esbelto de mais de dois metros de altura logo entrou no quarto e ficou parado, de pé, diante do garoto. Não disse nada, apenas sorriu estendendo-lhe a mão. Beto, estendeu o braço lentamente na direção da criatura. Sorria, e seus olhos brilhavam mais que no dia em que ganhou seu telescópio. Logo, subiu a bordo de uma grande nave que flutuava bem ali do lado fora de sua janela. Em seu interior mil luzes piscando e painéis coloridos, um lindo espetáculo de encher os olhos. Muito complexo, ao mesmo tempo, muito simples. Beto observava tudo nos mínimos detalhes ao passar pelos corredores de mãos dadas com seu guia. O ser, sempre sorridente, colocou o menino numa cadeira alta perto de uma janelinha e sentou-se ao lado dele. À frente dos dois, muitos botões e controles. A nave partiu. Beto viu sua casa ficar cada vez menor, então seu bairro, então sua cidade, então o mar também diminuiu. Viu tudo ficar pequeno, então o mundo era como uma “bola de futebol”, pendurada na vastidão coberta por estrelas.
Um flash de luz se fez numa outra janela, e lá, surgiu uma outra orbe suspensa por nenhum gancho, só que essa era levemente dourada e não azul. Mergulhando na esfera, tudo foi ficando cada vez maior. Beto saltou da cadeira e seu guia fez-lhe um sinal para que viesse com ele.
Ao deixar a nave, Beto pisou numa terra macia e branda. Ao longe, as montanhas brilhavam como diamantes. No céu lilás, havia nuvens como algodão doce. Os rios e os mares, fluíam ouro. As florestas coloridas tinham o mais inebriante perfume. Alguns animais tinham seis olhos. Alguns gigantescos, já outros cabiam na palma da mão. Os campos e as planícies, eram de prata. As frutas, dos tipos e sabores mais exóticos. Beto correu em todas as direções. Não sabia para onde ir, queria ver tudo, sentir tudo. Estava maravilhado, não queria sair de lá. Era tudo com o qual sempre sonhou, sempre quis. Visitou os lugares mais maravilhosos. Conheceu toda a gente daquele lugar que também ficara muito empolgada, curiosa e maravilhada com ele. Ele contara o máximo que pôde sobre seu mundo deixando-os todos animados e perplexos. Beto descobriu que aquele povo se denominava Narks.
Beto passou um dia inteiro naquele fantástico mundo, quando então, veio a hora de partir. Com uma lágrima escorrida no rosto, o menino olhou pela última vez aquele mundo o qual queria pertencer para todo o sempre mas não podia.
Quando imaginou ser o fim, eis que uma nave estelar imensamente grande surgiu cobrindo quase todo o planeta fazendo sumir até o sol. Era do tamanho de um estádio, com arranha-céus despontando por toda superfície. Essa verdadeira fortaleza chegou bombardeando os pobres Narks que desesperadamente procuraram abrigo. O guia de Beto apressou-se em levar o menino para casa antes que sofresse o destino de sua gente e dele próprio.
Aqueles invasores eram os Hawts, raça de um povo bárbaro que de tempos em tempos surgia para caçar Narks, como num safári. Eles espalhavam terror por se julgarem superiores em inteligência e poder tecnológico. Os Narks por outro lado eram pacíficos e amistosos e não possuíam grandes defesas contra o terror do inimigo. Beto, então, estava decidido em resolver o problema dos Narks e pediu à eles que enfrentasse seus medos e colocassem um fim naquela situação. Disse à eles que eles tinham o poder de lutar a favor de seus sonhos e sua liberdade, bastava ter vontade, determinação e força. Os Narks sentiram verdade e motivação nas palavras do menino e foram à luta. Com os recursos disponíveis, uma grande batalha foi travada. Beto, insistiu muito em ajudar seus novos amigos embora aquela não era sua guerra. Mas confiante em suas habilidades, – tinha assistido muito aos filmes de ficção – ele ganhou uma nave para poder lutar.
Dezenas de Narks subiram em suas naves com formato de discos e voaram contra a potência inimiga. Milhares de disparos de luz voaram para todos lados. Uma luta que tomara proporções épicas. Beto liderou os esquadrões Narks para atingir os principais pontos fracos da nave inimiga. Ele reconhecera tudo. Era exatamente como nos livros e filmes que vira. Por fim a grande fortaleza sucumbiu caindo nas planícies prateadas. Os Narks atribuíram sua vitória a Beto, pois sem ele tamanho feito jamais seria alcançado. Na volta uma grande cerimônia aconteceu para comemorar a vitória e a liberdade. O garoto foi tratado como príncipe pelos Narks e e ganhou um anel, símbolo da amizade eterna. Após as festividades e despedidas, Beto seguiu com seu amigo e guia abordo da nave que o trouxera. Sentou-se no cadeirão e o veículo partiu num estrondo...
Beto levantou da cama assustado e olhou para a janela. Um silêncio. Pulou da cama correndo e ergueu as persianas revelando lá fora a grande lua que repousava imóvel. Seus olhos percorreram ansiosamente por tudo, procurando por alguma coisa, mas, nada havia. Sentiu uma enorme decepção. Uma tristeza gélida e vazia, uma angustia presa no peito. Pôs-se a chorar. Os pais de Beto ouviram e vieram correndo para saber o que havia acontecido. A mãe tentou acalmá-lo e o abraçou pois para ela, óbvio, fora apenas um pesadelo que o filho tivera. Mas Beto sabia que não era um sonho, estava convicto que não. Tentou explicar o que acontecera balbuciando as palavras em soluços. Pai e mãe então tentaram fazer com que Beto compreendesse que às vezes, quando amamos alguma coisa, e queremos, desejamos muito esta coisa, os sonhos em nosso sono parecem reais, como se estivéssemos acordados. Beto chorava, pois não conseguia fazê-los acreditar. O pai abraçou-o e colocou-o na cama, já mais tranqüilo. Puxou as cobertas e arrumou os travesseiros. A mãe encostou levemente a porta do quarto. Beto virou para o canto, colocou suas mãos embaixo do rosto e fechou os olhos a descansar, sem dar conta do reluzente objeto redondo que tinha no dedo.
por Felipe.Z