03 janeiro, 2008

- Um Adeus -

Para minha senhora, Raphaella Chiara DiContti.

Venho mais uma vez, pela ponta da pena, lhe falar de pensamentos e sentimentos íntimos mais recônditos do coração, e temo, que seja a última vez. É por meio desta mensagem que decido o derrame de nossas lágrimas. Cruel, é verdade, mas, não se pode ir mais adiante tal situação que tanto sinto sufocar. Quando terminares de ler, tua dor começará do mesmo modo que a minha começou ao grafar deste texto, porém, em tempo, o alívio tomará o espaço de teu peito. Sempre terei na memória as vezes em que estivemos perto; todas as vezes que nos tocamos através do olhar; todas as vezes que nos amamos pelo pensamento. Ainda resta no ar um sabor de saudade melancólico daquilo que só aconteceu nos sonhos de duas almas, que, por obra de algum acaso, resolveram se apaixonar. Fugimos de tudo e de todos quando nos encontramos no escurinho iluminado por uma vela, e a tinta no papel, falava por nós expressando da maneira mais plena tudo aquilo que nossos corações desejavam.
Sabes que eu a amo, minha jovem dama, mais do que pude acreditar que poderia amar alguém. Quantas vezes fechei os olhos e a vi pertencer junto aos astros do cosmos e entes mais sublimes. Tantas manhãs meus olhos abri para vê-la, mas, tu não dormias do meu lado para contemplar teu sono formoso que tanto impacienta meu ser. Este meu amor me deste outro sentido. Também posso senti-lo além de tuas letras de desenho tão esmerado. Surpreendo-me que te encantaste com minha pessoa e me contento além do que podes imaginar. Se pudesse tudo ter sido de outra maneira. Uma qual não precisássemos apenas imaginar, mas, ter realmente vivido. Pudera eu ter te encontrado em outro tempo onde os preceitos que reinam sobre todos não fossem tão atrozes. Nossas liberdades não seriam plenas, é fato, mas a felicidade sim encontraria um jeito de ser. Oh, minha senhorinha, o que causamos-nos? Por que tudo assim? Destino? Não sei.
Ao passo em que lhe escrevo, quero retirar tudo o que disse antes até aqui, mas, não posso. Sendo eu de mais idade que ti, tenho que tomar atitudes que venham a nos beneficiar mutuamente. Dói-me cada palavra. Enxugo meu pranto a desviá-lo do papel. Morro a cada piscar. Pior teria sido se este amor imaculado tivesse de fato sido consumado, embora, jamais perdoe o fato de sequer ter segurado uma vez que fosse tua pequena e delicada mão. Instrui-te na música, pois, como o amor, não há arte mais perfeita. Tua face repousada ao tristonho violino, para mim, era sobre meu ombro que o fazias. Mas, assim que é tudo, minha amada. Infeliz foi o desejo entre mestre e aluno. Tens longos anos à frente, és jovem e deverás se casar. Terás uma grande família, um nobre marido e filhos. Quando tiveres mais idade compreenderá o que estou fazendo agora e espero que ao menos, um dia, te lembres que existi porque jamais esquecerei de ti, minha dama. Pois o que é a vida sem a memória de tudo aquilo que fizemos na exaltação da juventude? Peço-te que de forma alguma penses que pouco faço de teus sentimentos, pois sim que são verdadeiros, assim lhe disse logo antes. Tão é verdadeiro, que se não fosse, as cartas que trocamos esse tempo não tivessem sido numerosas.
Como desejo eu que sejas bastante feliz, minha pequena, devo agora despedir-me, embora, meu coração lute. Mesmo que seja eu mulher mais vivida, as dores do amor são e sempre serão iguais. As recordações de ti e desse amor proibido eu sempre levarei, seja nas tuas letras d’amor, seja na lembrança de teu semblante formoso. Partirei para longe para que não soframos mais. Ainda assim, quisera eu ao menos uma única vez, ter sentido teu corpo alvo e perfeito junto ao meu, mas, este cenário, só meus pensamentos fantasiarão. Com o tempo, nossos corações se aquietarão para um futuro mais decente. Amo-te menina, que para sempre será minha senhorinha.
Clarice de Alvarez Pires
12 de junho, 1873
por Felipe.Z