25 dezembro, 2010

- A Força da Fé -

Quando chegamos em casa, olhei para minha esposa sentada no sofá e fiquei ao lado dela segurando sua mão. Sua expressão abatida me afligia tanto. Queria fazer alguma coisa para que ela pudesse se sentir melhor. Eu precisava ser forte, mais forte do que ela, precisava ampará-la. Tínhamos acabado de voltar da clínica. Após uma série de exames descobrimos nesse dia, então, que ela não podia engravidar. Ainda me lembro do impacto que senti ao ouvir aquelas palavras vindas do médico. Mas acredito que nenhum sentimento se comparou ao dela, que no mesmo instante pôs-se a chorar, ficando arrasada. Seu maior sonho era ser mãe. Era carinhosa, atenciosa, presente, e dona de tantos outros adjetivos que me fizeram escolhê-la para ser minha mulher. Fazia alguns anos que estávamos casados e agora nós dois nos sentíamos preparados para ser pais. Fizemos tantos planos juntos. Olhei nos olhos dela e lhe disse que um milagre havia de acontecer. Os céus nos ajudariam a ter uma família, a que tanto desejávamos. Eu a senti completamente desamparada e frágil quando ela me abraçou. Tão forte, que pude sentir em minha alma o que ela passava. Olhei em seus olhos marejados e disse que estaria do lado dela para sempre. Pedi-lhe que tivesse fé.

O natal estava chegando e o pessoal do serviço ia levar presentes para as crianças carentes de uma instituição, a qual a empresa presta solidariedade todos os anos. Como era tradição, um de nós ia vestido de bom velhinho para animar a garotada, e assim como também era costume, fizemos sorteio. Quando vi que o eleito tinha sido eu, confesso que na hora não gostei tanto da idéia de passar a tarde toda vestindo um bucho enorme, uma barba postiça, botas e um gorro vermelho. Afinal, gelo e neve só no norte para tanta roupa. De qualquer modo fui. Eu sabia que aos poucos ia me acostumar com a idéia. Chegando lá, freiras e ajudantes nos guiaram até o pátio interno, a todo o instante agradecendo imensamente a mim e mais dois colegas, que me acompanharam nessa, pela caridade que fazíamos. Foram extremamente simpáticos e gentis conosco.

O pátio estava repleto de crianças e isso me assustou um pouco. Era minha primeira vez num orfanato e me impressionou a quantidade de crianças que havia. Ao primeiro olhar, hesitei em prosseguir. Parecia que eu era o prato principal de um banquete. Tantos olhos famintos de afeto fixos numa figura tão amada, queriam todos chegar perto de mim e falar comigo. Logo fui cercado por dezenas delas, apertado e abraçado, todas queriam um pedaço do bom velhinho. As freiras tentavam acalmar a euforia delas, mas era impossível e mais que compreensível. Quando finalmente consegui chegar até o modesto trono feito especialmente para a entrega dos presentes, reparei em cada rosto que me observava. Alguns com receio, outros curiosos, e outros contentes. Eu era para elas, naquele momento, o símbolo maior da alegria. Rostos marcados, que pediam por clemência e por um pouco de sonho, um pouco de felicidade. Comovi-me. Uma por uma, falei com elas. Eram tantos desejos. Veio então uma linda menininha, tinha cerca de oito anos, segurava uma pequena boneca de pano surrada. Coloquei-a em meu colo e ela me encarou com seus grandes olhos.

- Eu quero que minha mãe venha me buscar... – ela me pediu tão humildemente. Olhei-a surpreso, com um nó na garganta.

- Você não gosta de morar aqui? – perguntei desconcertado.

- Gosto... – ela respondeu de cabeça baixa. – mas eu quero uma casa normal, que nem todo mundo.

A carinha dela esboçava uma certa angústia, como se quisesse chorar. Senti que desejo maior no mundo ela não tinha. Nada de brinquedos. Mais do que tudo, ela queria era uma família de verdade. Meu Deus, o que eu faria agora? Aquela garotinha, assim como todas as outras crianças, depositava em mim toda sua esperança. Quanta responsabilidade é atender uma criança. Em nossa vida raramente nos damos conta de que tanto diretamente, quanto indiretamente, afetamos os rumos das vidas das pessoas, sejam elas jovens ou velhas. Basta um gesto ou uma palavra, e é aí que reside a chave. Olhei para aquela linda garotinha que esperava uma resposta satisfatória. Tudo o que pude fazer foi abraçá-la ternamente e lhe dizer no ouvido.

- Sua casa virá, meu anjo. Confie. Tenha fé!

Eu sorri, e ela também sorriu de volta. Quando ela me abraçou senti toda a emoção que ela guardava em seu coraçãozinho. Apertou-me forte, como num grito que pedia por conforto. Entreguei-lhe seu presente e ela se perdeu na multidão de crianças. Fiquei honestamente abalado. Não consegui deixar de pensar naquele breve momento que vivi. Breve porém emocionante, verdadeiro e especial. Jamais senti algo daquele jeito, indescritível, único, e tinha certeza que alguma coisa de especial também havia sobre aquela criança.

À noite, em casa, sentei-me em minha poltrona e fiquei pensando como aquela experiência maravilhosa tinha me marcado fundo. Senti uma enorme satisfação pessoal em ter podido alegrar tantos pequeninos carentes. Fora algo que eu não percebera anteriormente e que agora mudara minha visão sobre muitas coisas para sempre. Então, foi como se uma luz tivesse me atingido. Minha mulher já dormia quando me aproximei. Sussurrei em seu ouvido nossa solução.

Na semana seguinte, fomos ela e eu até a aquela abençoada instituição. Minha esposa estava ansiosa demais para conhecer a pequenina sobre quem eu falara aquela noite toda. Uma das irmãs que cuidavam das crianças então foi buscar a garotinha a qual me apaixonei perdidamente. Pela irmã, fiquei sabendo que a pequena não tinha pais. Fora deixada na instituição com apenas um ano de idade. Então, ela surgiu, levando consigo sua bonequinha de pano, sua melhor companheira. Minha mulher com os olhos cheios d’água agachou-se para conhecê-la de perto. As duas se encararam por um momento e então se abraçaram. Uma série de pensamentos me invadiu com muita verdade. E foi ali, naquele mesmo instante, que percebi que a vida não era feita de sorte, de acaso, nem de coincidências. Era algo consciente, em sua própria essência, que havia tratado de colocar dois destinos, duas felicidades juntas que se completariam. Não sei se foi o espírito do natal que pairava, mas estava convencido de que milagres, com a ajuda de nossos desejos mais sublimes, realmente existem.

por Felipe.Z